quarta-feira, 17 de julho de 2013

Direito dos animais (1)


Há alguns dias recebi minha tão esperada encomenda, o livro DIREITO DOS ANIMAIS - Fundamentação e Novas Perspectivas do Daniel Braga Lourenço.
Já tinha estudado alguns aspectos da consciência coletiva sobre  os animais não-humanos e, como sujeitos de direitos, mas sob o ponto de vista filosófico (em outro post, abordarei esse tema tão importante, e que, justamente, a partir de então, despertou meu interesse sobre as questões jurídicas, ou melhor, sob o enfoque de seu sistema ideal de direito).
Hoje, começo os estudos desse maravilhoso livro. Dei uma folheada, como de costume faço quando pego pela primeira vez um livro, analisando, quase aleatoriamente,  alguns trechos; isso me dá mais ou menos uma base do que vou encontrar, além de aumentar a vontade de lê-lo, é claro, pois, daí, concluo que o livro seja realmente bom.
Um desses  trechos, excepcionais na minha opinião, está contido logo na introdução. É, sem dúvida, uma pequena demonstração da riqueza com que será abordado o tema.
 
"(...) A sucessiva derrubada da "arrogância humana" continua com os paleontologistas que, de acordo com a feliz expressão cunhada por John Macphee, descobriram a realidade do 'tempo profundo'(1). Nesse sentido, Stephen Jay Gould (1941-2002) alerta para o fato de que 'a existência  humana preenche apenas o último micromomento do templo planetário - um centímetro ou dois do quilômetro cósmico, um minuto ou dois do ano cósmico'. O quinto 'descentramento' é o objeto do presente trabalho, que consiste justamente na ampliação, para além da fronteira humana, do rol dos seres vivos agraciáveis com a possibilidade de titularizarem direitos subjetivos. Pretende-se examinar criticamente como se construiu, ao longo do tempo, a identificação dos conceitos de 'pessoa' com o de 'humanidade', perfilhando e consolidando uma proposição radicalmente antropocêntrica dentro do sistema do Direito. Após tal exame, que tem como objetivo deixar evidenciado que a apropriação humana do mundo natural não é um fato incontroverso e tampouco incontestável, será demonstrado que a mudança desse paradigma conduz a uma necessária ampliação de nossos horizontes morais. Esta ampliação deve ser seguida de uma também imprescindível extensão de direitos fundamentias para não-humanos, na qualidade de sujeitos de direito, não havendo argumentos sólidos para que continuemos a relegá-los à categoria meramente instrumental de coisa ou objeto". (grifo meu)

Ao ler esse trecho, veio à lembrança os ensinamentos de  Leonardo Boff*, em seu livro A força da ternura. Pensamentos para um mundo igualitário, solidário, pleno e amoroso. Rio de Janeiro: Sextante, 2006, no capítulo Somos um elo na corrente da vida:
"A ética da sociedade dominante atual é utilitarista e antropocêntrica. Falsamente considera que o conjunto dos seres da natureza somente possui razão de existir na medida em que serve ao ser humano, que pode dispor deles a seu bel-prazer.(...)
Mal sabe que o ser humano foi um dos últimos a entrar no teatro da criação. Quando 99,98% de tudo já estava pronto, surgimos nós. O universo, a Terra e os ecossistemas não precisaram do ser humano para se organizarem e elaborarem sua majestática beleza.
Se nós entramos na evolução, foi para ser um elo a mais na cadeia da vida, um elo singular, pois temos uma missão específica: cuidar de todas as coisas, ser guardiães delas e ajudar para que continuem a existir e a evoluir como já estão evoluindo há milhões de anos.
Devemos, portanto, reconhecer e respeitar a história de cada ser da criação. Existiram antes de nós e por milhões de anos sem nós. Por isso, devem ser respeitados como respeitamos as pessoas mais idosas e as tratamos como veneração e respeito.
Eles têm direito ao presente e ao futuro junto conosco"

"(...) Os flagrantes e desnecessários abusos e crueldades diuturnamente cometidos contra os animais não-humanos, seja por meio das fazendas industriais, pela indústria alimentícia, farmacêutica e de cosméticos, pelo tráfico internacional de animais silvestres, pela caça, pelas exposições e espetáculos, pelos zoológicos e cativeiros, pela experimentação científica e, mesmo pelo abuso doméstico, permitem, reflexamente, que o movimento ganhe força e credibilidade, fazendo que o público tome conhecimento dessas práticas abomináveis e se conscientize, cada  vez mais, acerca das questões éticas, filosóficas e jurídicas a eles relacionadas."


Declaração Universal dos Direitos dos Animais

Preâmbulo:

Considerando que todo o animal possui direitos;
Considerando que o desconhecimento e o desprezo desses direitos têm levado e continuam a levar o homem a cometer crimes contra os animais e contra a natureza;
Considerando que o reconhecimento pela espécie humana do direito à existência das outras espécies animais constitui o fundamento da coexistência das outras espécies no mundo;
Considerando que os genocídios são perpetrados pelo homem e há o perigo de continuar a perpetrar outros;
Considerando que o respeito dos homens pelos animais está ligado ao respeito dos homens pelo seu semelhante;
Considerando que a educação deve ensinar desde a infância a observar, a compreender, a respeitar e a amar os animais,
Proclama-se o seguinte

Artigo 1º - Todos os animais nascem iguais perante a vida e têm os mesmos direitos à existência.
Artigo 2º 
1.Todo o animal tem o direito a ser respeitado.
2.O homem, como espécie animal, não pode exterminar os outros animais ou explorá-los violando esse direito; tem o dever de pôr os seus conhecimentos ao serviço dos animais
3.Todo o animal tem o direito à atenção, aos cuidados e à proteção do homem.
Artigo 3º
1.Nenhum animal será submetido nem a maus tratos nem a atos cruéis.
2.Se for necessário matar um animal, ele deve de ser morto instantaneamente, sem dor e de modo a não provocar-lhe angústia.
Artigo 4º
1.Todo o animal pertencente a uma espécie selvagem tem o direito de viver livre no seu próprio ambiente natural, terrestre, aéreo ou aquático e tem o direito de se reproduzir.
2.toda a privação de liberdade, mesmo que tenha fins educativos, é contrária a este direito.
Artigo 5º
1.Todo o animal pertencente a uma espécie que viva tradicionalmente no meio ambiente do homem tem o direito de viver e de crescer ao ritmo e nas condições de vida e de liberdade que são próprias da sua espécie.
2.Toda a modificação deste ritmo ou destas condições que forem impostas pelo homem com fins mercantis é contrária a este direito.
Artigo 6º
1.Todo o animal que o homem escolheu para seu companheiro tem direito a uma duração de vida conforme a sua longevidade natural.
2.O abandono de um animal é um ato cruel e degradante.
Artigo 7º
Todo o animal de trabalho tem direito a uma limitação razoável de duração e de intensidade de trabalho, a uma alimentação reparadora e ao repouso.
Artigo 8º
1.A experimentação animal que implique sofrimento físico ou psicológico é incompatível com os direitos do animal, quer se trate de uma experiência médica, científica, comercial ou qualquer que seja a forma de experimentação.
2.As técnicas de substituição devem de ser utilizadas e desenvolvidas.
Artigo 9º
Quando o animal é criado para alimentação, ele deve de ser alimentado, alojado, transportado e morto sem que disso resulte para ele nem ansiedade nem dor.
Artigo 10º
1.Nenhum animal deve de ser explorado para divertimento do homem.
2.As exibições de animais e os espetáculos que utilizem animais são incompatíveis com a dignidade do animal.
Artigo 11º
Todo o ato que implique a morte de um animal sem necessidade é um biocídio, isto é um crime contra a vida.
Artigo 12º
1.Todo o ato que implique a morte de grande um número de animais selvagens é um genocídio, isto é, um crime contra a espécie.
2.A poluição e a destruição do ambiente natural conduzem ao genocídio.
Artigo 13º
1.O animal morto deve de ser tratado com respeito.
2.As cenas de violência de que os animais são vítimas devem de ser interditas no cinema e na televisão, salvo se elas tiverem por fim demonstrar um atentado aos direitos do animal.
Artigo 14º
1.Os organismos de proteção e de salvaguarda dos animais devem estar representados a nível governamental.
2.Os direitos do animal devem ser defendidos pela lei como os direitos do homem.

 

1 - A geologia impõe a aceitação da inafastável vastidão do tempo. Assim sendo, a idéia de "tempo profundo" (deep time) está diretamente relacionada ao fato de que a vida humana representa um mero flash na sequência cronológica dos eventos naturais. Essa limitação temporal reduz significativasmente a ingênua supervalorização da vida humana.








* Leonardo Boff, pseudônimo de Genézio Darci Boff, é um teólogo brasileiro, escritor e professor universitário, expoente da Teologia da Libertação no Brasil. Foi membro da Ordem dos Frades Menores, mais conhecidos como Franciscanos. Ficou conhecido pela sua história de defesa pelas causas sociais e atualmente debate questões ambientais.

domingo, 31 de março de 2013

Resumo da obra "ACESSO À JUSTIÇA" de Mauro Cappelletti & Bryant Garth *

INTRODUÇÃO
 
Atualmente, cada vez mais, surgem indagações quanto a que preço e em benefício de quem os atuais sistemas jurídicos de fato funcionam. A tais indagações que inquietam juristas, advogados e demais profissionais de direito, somam-se trabalhos e pesquisas de sociólogos, antropólogos, economistas, cientistas políticos e sociólogos, entre outros, que, numa longa batalha histórica, lutam por um efetivo "acesso à justiça" para todos.
 
A expressão "acesso à justiça" serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico, pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado:
1 - o sistema deve ser igualmente acessível a todos e
2 - deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos.
Assim, a obra enfoca, primordialmente, o primeiro aspecto, sem perder de vista o segundo, porque para se alcançar uma  justiça social, deve-se efetivamente proporcionar seu acesso. 
 
Os autores elegem com tarefa principal a delineação do surgimento e a contribuição para o desenvolvimento de uma abordagem nova e compreensiva dos problemas que esse acesso apresenta nas sociedades contemporâneas. 
Partindo-de da premissa em se recusar como imutáveis quaisquer dos procedimentos e instituições que caracterizam nossa engrenagem de justiça, bem como o rompimento da crença tradicional na confiabilidade de nossas instituições jurídicas, tal abordagem inspira-se no desejo de tornar efetivos - e não meramente simbólicos - os direitos do cidadão comum, e para tanto, exige reformas de mais amplo alcance e uma nova criatividade. 
E é com base nesses avanços, suas realizações, idéias e propostas básicas, bem como os riscos e limitações desse ousado mas necessário método de reforma, que se pautou a magnífica obra intitulada "Acesso à Justiça".
 
(*) CAPPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Editora Fabris, 1988.

http://www.gilmesquita.com/2005/11/um-ano-sem-mauro-cappelletti.html